terça-feira, 22 de outubro de 2013

O Que Verdadeiramente Mata Portugal  


O que verdadeiramente nos mata, o que torna esta conjuntura inquietadora, cheia de angústia, estrelada de luzes negras, quase lutuosa, é a desconfiança. O povo, simples e bom, não confia nos homens que hoje tão espectaculosamente estão meneando a púrpura de ministros; os ministros não confiam no parlamento, apesar de o trazerem amaciado, acalentado com todas as doces cantigas de empregos, rendosas conezias, pingues sinecuras; os eleitores não confiam nos seus mandatários, porque lhes bradam em vão: «Sede honrados», e vêem-nos apesar disso adormecidos no seio ministerial; os homens da oposição não confiam uns nos outros e vão para o ataque, deitando uns aos outros, combatentes amigos, um turvo olhar de ameaça. Esta desconfiança perpétua leva à confusão e à indiferença. O estado de expectativa e de demora cansa os espíritos. Não se pressentem soluções nem resultados definitivos: grandes torneios de palavras, discussões aparatosas e sonoras; o país, vendo os mesmos homens pisarem o solo político, os mesmos ameaços de fisco, a mesma gradativa decadência. A política, sem actos, sem factos, sem resultados, é estéril e adormecedora.

Quando numa crise se protraem as discussões, as análises reflectidas, as lentas cogitações, o povo não tem garantias de melhoramento nem o país esperanças de salvação. Nós não somos impacientes. Sabemos que o nosso estado financeiro não se resolve em bem da pátria no espaço de quarenta horas. Sabemos que um deficit arreigado, inoculado, que é um vício nacional, que foi criado em muitos anos, só em muitos anos será destruído.

O que nos magoa é ver que só há energia e actividade para aqueles actos que nos vão empobrecer e aniquilar; que só há repouso, moleza, sono beatífico, para aquelas medidas fecundas que podiam vir adoçar a aspereza do caminho.
Trata-se de votar impostos? Todo o mundo se agita, os governos preparam relatórios longos, eruditos e de aprimorada forma; os seus áulicos afiam a lâmina reluzente da sua argumentação para cortar os obstáculos eriçados: as maiorias dispõem-se em concílios para jurar a uniformidade servil do voto. Trata-se dum projecto de reforma económica, duma despesa a eliminar, dum bom melhoramento a consolidar? Começam as discussões, crescendo em sonoridade e em lentidão, começam as argumentações arrastadas, frouxas, que se estendem por meses, que se prendem a todo o incidente e a toda a sorte de explicação frívola, e duram assim uma eternidade ministerial, imensas e diáfanas.

O país, que tem visto mil vezes a repetição desta dolorosa comédia, está cansado: o poder anda num certo grupo de homens privilegiados, que investiram aquele sacerdócio e que a ninguém mais cedem as insígnias e o segredo dos oráculos. Repetimos as palavras que há pouco Ricasoli dizia no parlamento italiano: «A pátria está fatigada de discussões estéreis, da fraqueza dos governos, da perpétua mudança de pessoas e de programas novos.»


Eça de Queirós, in 'Distrito de Évora'

terça-feira, 1 de outubro de 2013

AUTÁRQUICAS 2013



Após algum tempo sem dar a devida atenção a este meu pequeno blog, fruto do tempo dispendido em campanha eleitoral para as autárquicas do passado dia 29 de Setembro, no qual fui candidata pela Coligação Mafra Merece Mais, que integrava o CDS-PP, o MPT e o PPM, cá estou eu de volta.

Para alguns amigos deve ser estranho o facto de nesta coligação não constar o PSD, partido do qual fui militante. Pois é, para melhor muda-se sempre... E eu mudei, para o CDS/PP, por uma questão de convicção, de valores, de princípios... 

O resultado destas eleições, foi no mínimo surpreendente em todos os quadrantes políticos, muito graças ao desalento e desconfiança que paira sobre a nossa Sociedade Civil. 

Para mim? Foi o expectável, atendendo a toda a conjuntura mafrense.

Há contudo, algo que me deixou deveras surpreendida: Os níveis elevadíssimos de abstenção.

Falemos um pouco dela:

Abstenção, palavra originária do latim abstentio, significa a privação ou desistência voluntárias de um direito político, cívico ou social, de acordo com o maravilhoso dicionário Priberam da Lingua Portuguesa (versão online, está visto). Ainda recorrendo à preciosa ajuda desta modernice chamada internet e que nos liberta de extensas horas em uma qualquer biblioteca, onde temos de folhear livros e livros e de sentir o cheiro de papel velho e encadernações duras e tão antigas que se fossem seres vivos por certo já teriam morrido (que saudades tenho desses tempos em que computadores eram americanices e estudante que era estudante ia para as bibliotecas), mas como estava a dizer, recorrendo ainda à internet fui pesquisar o signficado da palavra abstenção, na nossa maravilhosa enciclopédia online, a Wikipédia, onde encontramos tantos assuntos que alguns deles ainda nem foram inventados, mas a nossa wikipedia já sabe que vão ser, valha-nos isso, e encontro a seguinte definição:
Em Política, abstenção é o ato de se negar ou se eximir de fazer opções políticas. Abster-se do processo político é visto como uma forma de participação passiva. Também importante de referir que a abstenção eleitoral é uma atitude aceite por anarquistas e muitas vezes condenada por alguns democratas. Para todos os efeitos, a abstenção não deve ser encarada como recusa de participação e irresponsabilidade, mas sim como "cegueira social" desencadeada por fatores externos aos cidadãos, a qual num Estado dito "democrático" deveria ser analisada amplamente de forma a promover a inclusão social, e participação das populações na política.

 Perante tais definições, resolvi deixar a nostalgia apoderar-se de mim e voltar aos meus tempos de criança em dia de eleições.

Cresci a ouvir os meus pais dizerem: "filhos, vão tomar banho, para se vestirem e que hoje a mãe e o pai TÊM de ir votar". A determinada altura, questionei a minha mãe sobre o seu orgulho em ir votar assim como o regresso a casa com a sensação do dever cumprido, ao que a minha mãe me disse:

"Filha, nada entendo de política, nada entendo de governar um País tenho, assim como o teu pai, a 4ª classe feita com distinção, mas sei o quão difícil foi o caminho para chegar aqui, para podermos votar. Além disso, como posso criticar alguém por não fazer o que deve, se eu não me manifestei nessa altura, não achas?"

Passaram anos e quando fiz os meus 18 anos, como jovem revoltada que era (nem sei muito bem porque me revoltava, acho que era moda, era como se diz hoje... cool) recusei-me a ir votar numas quaisquer eleições; como se costuma dizer, caiu o Carmo e a Trindade em casa dos meus pais. O meu pai dizia: "Que vergonha, uma filha minha não querer votar", a minha mãe, por entre lagrimas reclamava: Filha minha TEM de votar, era o que faltava". Após tanta insistência e cara feia, acabei por ir votar. Ou isso ou de certeza que seria deserdada...

Hoje sou mulher adulta ainda que continue revoltada.

Revoltada pelos baixos salários que aufiro, revoltada pelo meu pai ter trabalhado até aos 70 anos e receber uma miséria inferior ao SMN, revoltada pelo valor da reforma da minha mãe, a qual é inferior ao IAS, revoltada por não saber qual será o futuro do meu filho, mas acima de tudo revoltada por ver TANTO Zé Povinho a fazer manifestações por tudo e por nada, sendo que se concentram aos milhares por cidade portuguesa e quando deveriam EFECTIVAMENTE mostrar a sua indignação... Acobardam-se...

Os níveis de abstenção nestas autárquicas mostraram bem que vivemos uma crise de valores e não apenas económica ou financeira. Falta-nos o orgulho de ser Português, falta-nos a força que os nossos antepassados tiveram para lutar pelo que queriam sem o recurso a manifestações publicas (até por serem proibidas) e muito menos manfestações com direito a "minis" e "bifanas ou entremeadas".

Assim, 

Como podemos nós IGNORAR, o seu sacrifício, a sua luta desigual, muitas vezes dando a própria vida pelo NOSSO direito ao voto? Como podemos nós exigir algo de um Governo, seja ele nacional, regional ou local, se nos recusamos a escolhê-lo, quando a isso somos chamados? Como podemos manifestar-nos nas ruas de uma qualquer cidade, vila ou aldeia, quando fomos responsáveis pelos acontecimentos que levaram ao descontentamento?

Para finalizar, resta-me apenas deixar algo para meditação:
Se as manifestações contra todas e quaisquer medidas adoptadas pelos Governos (nacional, regional e local) fossem proporcionais aos eleitores votantes nestas últimas eleições... Estes mesmos Governos não se precisariam de preocupar, nem mudar nada, porque a eles... ninguém os quer mudar...
Privação ou desistência voluntária de um direito político, cívico ou social

"abstenção", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/absten%C3%A7%C3%A3o [consultado em 01-10-2013].
Privação ou desistência voluntária de um direito político, cívico ou social

"abstenção", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/absten%C3%A7%C3%A3o [consultado em 01-10-2013].